Faz-te Um Homem!

Os 30 anos estão aí à porta. A pouco mais de 9 meses para ser mais exacto, o que significa que estou oficialmente em gestação para atingir a idade que me obriga a ter certezas na Vida e à qual já devia chegar como um homem feito. Mas não sou. Valha-me alguém, que eu não sou de todo um homem feito. A começar por isto. Sim, isto. Tanto que eu gosto de fazer rir e tanto que isso me afasta do ideal do homem a sério, que é sisudo e cuja reacção a piadas se resume a um ar ameaçador e ao clássico: "vê lá se não te cai um dentinho com tanta graça". E no entanto, as únicas reacções que consigo ter a uma piada são o riso ou uma sugestão de melhoria. Sou uma desgraça. Isto sem falar do quanto gosto de cozinhar, mas atenção neste ponto. Porque isso de pegar num tacho e da auto-suficiência é muito giro, mas para mim a cozinha é o lugar das mulheres. E dos homens. E de uma ou outra criança que já se ajeite. Porque é na cozinha que está a comida e isto não anda a água.

Mas não pensem que sei tudo. Nem lá perto! E mais grave do que isso, digo várias vezes ao dia a frase "não sei tudo", afastando-me a cada vez que assumo a ignorância da imagem que devia passar nesta fase da minha vida, a imagem de alguém que não faz perguntas. Porque fazer perguntas mostra fraqueza e mostra que precisamos dos outros. E homem que é homem não tem dúvidas, é um poço de certezas imutáveis mesmo perante provas em contrário. Porque a definição de prova é muito subjectiva e porque as opiniões são como o cú, cada um tem a sua e na minha ninguém se mete. Mas eu não sou assim, eu sou de facto um ignorante. E chego a ser tão ignorante que nem sequer sou racista. E atenção que não se trata de um "não sou racista, mas...", eu não sou mesmo racista. Independentemente de credos, cor de pele, origem ou etnia, acredito que toda a Humanidade é igualmente capaz da mais bela e profunda estupidez. E essa mesma capacidade chega a comover-me em algumas ocasiões, contrariando assim a máxima das máximas, que diz que um Homem não chora. E vocês haviam de me ver feito numa Madalena quando percebi que esta semana não tinha nada mais engraçado do que esta merda.

Como se isto não bastasse, não fui à tropa. Se alguma esperança houvesse para o processo de me fazer um homem, ela é abandonada quando se chega a este ponto. Porque toda a gente sabe que é na tropa que se fazem os homens e que muitos meninos deviam lá ir para aprenderem o que é disciplina, por terem que se levantar cedo e serem obrigados a fazer a cama de manhã. E é por isso que eu vou passar a tratar a minha Mãe como General Glória, porque foi ela que me ensinou essas coisas. Aos 10 anos. Mas há mais (muitos mais) ensinamentos na tropa alem disso. Porque a tropa é a melhor industria de fazer homens no Mundo, logo a seguir à industria daquelas primas assim mais soltinhas. E não há nada mais Mátxô (e não é macho, é Mátxô) no Mundo do que uma série de homens vestidos de igual e que durante meses a fio dividem casernas e chuveiros entre si, depois de irem passear para o mato enquanto cantam em coro. Pouca coisa na Terra é mais máscula do estar em fila enquanto um Mátxô mais Mátxô que os outros olha para os projectos de Mátxôs e diz coisas como "ai m'lher, que tens a barba mal feita!" ou "credo, bicha, olha-me p'ra essas botas mal engraxadas! Qu'horror!". E no fim de tudo isto, é tão bonito o momento da despedida dos Mátxôs, que se abraçam ternamente entre si e fazem juras de amizade e amor eterno (bem como uma ou outra tatuagem), por terem passado uns meses juntos.

Sobre o que é que vou escrever quando finalmente chegar aos 30? Por este andar, provavelmente sobre como a mudança de sexo foi a melhor decisão da minha vida e sobre como me sinto muitíssimo mais realizado enquanto Fabiana Micaela, a encantadora de serpentes.