País Irmão Siamês
- Filipe Pires
- 9 de ago. de 2019
- 4 min de leitura

Há 519 anos que Portugal e Brasil uniram os seus destinos, depois de uma viagem no Barco do Amor de Vasco da Gama. E há 519 anos que os dois Países estão unidos por influências culturais, língua (mais ou menos) telenovelas, música e poluição sonora (ou funk, se preferirem) e muitos, mas mesmo muitos, jogadores de Futebol. Mas mais recentemente os dois Países estão a ficar unidos por algo muito mais umbilical e visceral do que tudo isto: a estupidez. E não é uma estupidez qualquer. Não senhor! É de estupidez governativa, daquela que se elege para governar e representar um País, que se fala hoje. Como estamos em Portugal, vamos primeiro ao que vem de fora.
No dia 27 de Julho, o Capitão Iglo Jair Bolsonaro, que parece um Carl Sagan deixado muito tempo ao sol, acusou Glenn Greenwald, um dos homens envolvidos na operação Vaza Jato, de ter casado com um Brasileiro e adoptado duas crianças para escapar à deportação (1). Greenwald iria ser deportado por estar a mostrar que, no Brasil, a corrupção é como um ovo Kinder, traz sempre mais qualquer coisa lá dentro. Tudo isto pede, parece-me, uma explicação de fundo. A operação Lava Jato é a Mãe, Avó, Bisavó, Tia e Pai de todas as operações de investigação de corrupção do Brasil. Envolve cerca de 100% da população do País (incluindo também os emigrantes), começou em Março de 2014 e é uma espécie de eucalipto nacional, porque tem raízes até próximo do centro da Terra e ameaça secar tudo à sua volta, incluindo o rio de dinheiro que foi movimentado pelos envolvidos. A operação recebeu este nome porque a ponta do novelo foi descoberta num posto de combustível que tinha uma estação de lavagem de carros, o que demonstra a mesma prontidão a inventar nomes que faz com que, no Brasil, existam pessoas chamadas Josivélio Xanderson. Mas eu não estou aqui para criticar ninguém.
Mentira, é exactamente para isso que estou aqui.
No meio da Lava Jato, como não podia deixar de ser, apareceu corrupção. Sérgio Moro, um dos juízes que julgavam o processo, foi acusado (com provas) de ter influenciado o andamento da operação de forma a levar à prisão de Lula da Silva, o que levou a que o actual presidente do Brasil ficasse em vantagem para ser eleito (2). Sérgio Moro é hoje ministro do "governo" em "funções", mas as duas coisas não estão com certeza relacionadas. Nem lá perto! Foi por se ter descoberto esta ramificação da operação original, e pela mesma prontidão a inventar nomes, que surgiu a Vaza Jato. E foi também por isso que o Presidente Jair "Miolos de Trump" Bolsonaro (escusam de me levar cigarros à prisão, eu não fumo) veio acusar Glenn Greenwald de ter casado 10 anos antes do início de tudo isto para não sofrer as consequências de ter divulgado as irregularidades cometidas pelo juiz Moro. Consequências essas que, em princípio, nem deviam existir.
Toda esta situação podia ser rematada dizendo que, para o senhor Jair, os homossexuais são gente com o olho bem aberto, mas não o vou dizer. Porque pode haver algum maricas que se ofenda com isso e depois tem que vir um homossexual explicar que é só uma piada. E eu não gosto que pessoas sérias se incomodem com mariquices.
Enquanto isso, em Portugal, Assunção Cristas. Um nome fortíssimo e incontornável quando se fala da parvoíce Lusa. Se Tolkien criou o Senhor dos Anéis, quem trata da comunicação do CDS criou a Senhora das Argoladas, a última das quais aconteceu a 30 de Julho, quando a líder do partido disse que os alunos que fiquem fora do ensino superior público por não terem média suficiente devem poder entrar no curso que escolheram, desde que o possam pagar por inteiro, como fazem os alunos vindos de fora da União Europeia e que ocupam vagas adicionais reservadas para esse efeito (3). E isto à partida parece uma boa ideia, até nos lembrarmos que estamos em Portugal. Porque em Portugal, a frase "pagar o curso por inteiro quando não se consegue colocação" tem um som muito parecido com "quero lá saber de estudar, escolho um curso e pago pela vaga". E se inicialmente esta medida seria aplicável apenas para as tais vagas extra-concurso, é fácil perceber que as Universidades iriam tentar aumentar esse número de vagas, pelo simples facto de o orçamento de Estado estar tão focado na Educação como um aluno universitário está focado nas aulas de sexta-feira.
Por esta montanha abaixo pode formar-se ainda uma bola de neve que torna o ensino superior - já de si tão acessível à maioria das famílias - em algo ainda mais exclusivo para quem pode pagar, endividar-se ou passar fome para o frequentar. Para além de que toda a situação é uma potencial acendalha para reacender a chama do "primeiro o que é nosso, os estrangeiros que vão para a terra deles" e é também um excelente motivo para tirar as bolas de naftalina de cima do nacionalismo que tantas alegrias dá a toda a gente.
(1) https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/07/27/talvez-pegue-uma-cana-aqui-no-brasil-diz-bolsonaro-sobre-glenn-greenwald.ghtml
(2) https://www.dn.pt/mundo/interior/dois-meses-de-vaza-jato-tudo-sobre-as-reportagens-que-abalaram-moro-11176703.html
(3) https://expresso.pt/politica/2019-07-30-CDS-quer-que-alunos-sem-vaga-na-universidade-publica-possam-pagar-para-entrar
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