Era Uma Vez
- Filipe Pires
- 21 de abr. de 2019
- 3 min de leitura

Era uma vez um menino que gostava de brincar com qualquer assunto. Desde muito novo, o menino mostrou que tinha um talento especial para dizer sempre a pior coisa possível em todas as situações. E por "pior coisa possível", entenda-se "uma piada que deixa toda a gente sem resposta". Enquanto o menino foi pequeno, isso era visto como uma daquelas coisas que as crianças dizem sem pensar. O que é falso, porque o menino sempre pensou nas piadas que dizia, para garantir que eram mesmo a pior coisa possível de dizer em cada situação.
Com o passar dos anos, o menino cresceu. E com ele cresceu a capacidade e a vontade de fazer rir quem o rodeava, mesmo que por vezes as gargalhadas fossem arrancadas à custa de assuntos "proibidos". Foi a partir dessa altura que o menino começou a ouvir coisas como "não te devias rir disso", "há coisas com que não se brinca" ou "tu e a tua família deviam todos morrer com cancro". E falando em cancro, o crescimento tirou ao menino o direito a aceder a todo o fascículo das piadas sobre doenças. Porque, diziam as pessoas que percebiam de humor, não se pode trabalhar em Saúde e fazer piadas sobre esses assuntos. Não interessa o quão engraçado seja dizer que um leproso é um bom amigo, porque está sempre pronto a dar mão. Ou que um canibal vegetariano é aquele que só come pessoas em coma. Ou ainda que a SIDA em África é como o Justin Bieber: afecta sobretudo crianças.
Mas as restrições não se ficavam por aqui. Sempre que o menino tentava pegar num estereótipo e exagerar aquilo que já de si é absurdo, vozes indignadas gritavam que ele não podia dizer aquelas coisas, porque estava a dar força a um preconceito. Porque para os catedráticos da comédia, tornar uma coisa risível é o mesmo que dar-lhe força. E por isso o menino deixou de poder fazer piadas, por exemplo, com o preconceito da loira burra. Provavelmente porque as loiras tinham finalmente percebido a primeira piada de loiras alguma vez feita e a acharam ofensiva. E pior do que rir de um preconceito, só rir de uma tragédia ou tentar sequer ver um lado engraçado no que há de mau no Mundo. Isso é que era completamente proibido e foi por esse motivo que o menino deixou de poder dizer que uma pizza queimada é uma pizza à moda de Auschwitz. Ou que as crianças que vão à catequese são mais activas que as outras, porque não conseguem estar sentadas.
Um dia, inconscientemente e devido a estas restrições, o menino resolveu começar a fazer piadas sobre Futebol. O menino gostava muito de Futebol e era muito adepto de uma equipa do seu país. Por isso, resolveu juntar três coisas de que gostava muito - o Futebol, a sua equipa preferida e as piadas - para fazer algo que, pensava ele, servia para fazer rir outras pessoas que gostassem das mesmas coisas e nada mais. Mas o menino esqueceu-se que no seu país o Futebol é uma vaca sagrada, maior que as vacas das mães de quem o insultou por brincar com o assunto. Ainda assim, e graças a esses insultos, o menino aprendeu muitas palavras novas. A maioria delas mal escritas, mas novas ainda assim.
Contas feitas, o menino chegou à conclusão de que as únicas piadas que podia fazer eram piadas sobre Alentejanos. Porque como ele era Alentejano, sabia mais piadas de Alentejanos do que todos os meninos que não o deixavam brincar à vontade. E como ele era Alentejano, sabia perfeitamente que nenhum Alentejano leva a mal uma coisa tão inofensiva como uma piada.
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