Benfica 4 - 0 Desp. Chaves
- Filipe Pires
- 26 de fev. de 2019
- 4 min de leitura

Não há melhor maneira de começar a falar sobre uma goleada do que com uma crítica disfarçada. Uma indirecta, se quiserem. Neste caso não é para fora, é para dentro e para cima. Porque o nosso presidente tem toda a razão, nós não temos claques organizadas. E o nosso presidente tem também toda a razão, quando se recusa a apoiar adeptos que se encontram ao acaso para cantar umas cantigas ensaiadas na hora, mas que resultaram ontem no melhor espectáculo da segunda parte. É assim mesmo senhor presidente, continue a mostrar a toda a gente que a única coisa em si que está próxima da dimensão do Benfica são as orelhas.
Também não há melhor nestas circunstâncias do que começar por falar do adversário. Porque o Chaves apresentou-se na Luz com uma postura digna do respeito que conquistou nas últimas épocas, sempre a querer discutir o jogo, sem tentar fechar a área de forma quase estanque. E digo quase mas podia dizer que foi completamente estanque, primeiro pelo vazio de ideias e depois pelo sufoco a que aquela defesa foi sujeita. Falando em trancar gente, o guarda-redes António Filipe podia perfeitamente passar algum tempo nessa condição. Longe do Mundo e dos relvados, atrás de uma porta com várias fechaduras.
Enquanto os transmontanos precisaram de onze jogadores, dois adeptos e um elefante do Jardim Zoológico para se trancarem a sete chaves, nós só precisámos do Florentino. Um menino com idade de menino, mas com a autoridade daqueles velhotes que ralham quando a bola entra no quintal deles. Só falta mesmo ver alguém a olhar envergonhado para o chão depois de mais um corte e a dizer "Desculpe Senhor Florentino. Não volta a acontecer, Senhor Florentino". Só não acredito que ele ameace furar a bola, porque este menino não sabe tratá-la mal. Continuando com gente que não sabe tratar mal a bola, acho que neste jogo o Félix percebeu um bocadinho mais o que é isto do "à Benfica": mesmo que não esteja a ser o melhor jogo da tua vida, se desceres em sprint para ganhar um pontapé de baliza nós gostamos de ti na mesma. Mesmo no golo, compreendo que só tenha sido na recarga: no teu lugar, eu também tentava acertar primeiro na cara do guarda-redes do Chaves.
Quem deve ter filhos nesta idade é o árbitro Manuel Silva. E ontem viu-se que o senhor trabalha muito a pensar na família, porque cada vez que levou o apito à boca para marcar uma falta a nosso favor, lembrou-se que eles estavam amarrados num barracão à espera do fim do jogo e arrependeu-se. Houve tanta admiração quando o senhor árbitro não marcou uma falta a pedido do adversário que o Samaris até falhou um passe logo a seguir. Este senhor Grego é que é cada vez mais um poço de calma, um monge Shaolin que podia perfeitamente varrer toda a gente em campo, mas que prefere prezar a paz e a ordem. É neste momento a personificação do provérbio "É melhor ser um guerreiro num jardim que um jardineiro numa guerra." E mais do que isso, já está a ensinar a sua disciplina budista aos colegas mais próximos. Tanto é que, num jogo em que ele e o Rúben Dias jogaram juntos na defesa, todos os amarelos foram para médios e avançados, essa gente precipitada. Já agora, a todas as pessoas a quem falei da qualidade na saída bola do Samaris, estava a falar do que se viu neste jogo.
Logo ali ao lado estava um lateral tão fiável e tão competente no ataque e na defesa, que eu precisei de mais ou menos meia-hora para me lembrar que era o Corchia que estava a jogar. Se já tínhamos no plantel o Cafú de Loures, estamos a um bigode de distância de ter também o António Veloso de Noisy-le-Sec. E sim, eu vou à procura da naturalidade dos jogadores para escrever isto. Gosto assim tanto de vocês.
Mas se a nossa defesa joga como quem já atingiu o Nirvana, no ataque as coisas não são bem assim. As flores de Lotus transformam-se em cardos e as brisas transformam-se em furacões (isto hoje está muito forte, não está?), à medida que um exército de cinco homens avança friamente em direcção a ajuntamentos de gente aterrorizada, que pode apenas adiar o inevitável. Protegidos na retaguarda pelo franco-atirador Gabriel (um grande abraço rapaz, muita força), capaz de ver o sítio mais letal para colocar a bola na noite mais escura e com os dois metralhadores Pizzi e Rafa a dizimar sem contemplações os desorientados defesas contrários ou quem se atrever a ir à baliza. As operações são orquestradas por Napoleão Félix, um jovem e implacável general e que é o único capaz de controlar o artilheiro Seferovic, um Comando imparável e frio, que só sente felicidade com a visão de mais um alvo abatido, porque o Benfica é a única coisa capaz de fazer um Suíço mostrar emoções.
Para acabar, um desafio: sempre que o Jonas e um João Félix jogarem juntos, vou arranjar uma dupla mestre-aluno para os descrever. E se da última vez os exemplos foram Mr. Miyagi e Daniel-San, desta vez são Luke Skywalker e Obi-Wan Kenobi, porque o passe para o quarto golo foi demasiado telepático para ser ignorado e porque o Jonas já disse com certeza a frase "use The Force, João". Para a próxima vez, é possível que os compare com Luke Skywalker e o Mestre Yoda. Porque sou um rapaz carregado de originalidade.
CARREGA BENFICA!
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