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Aldeia da Língua Branca - Que Estrabucho É Este?

  • Filipe Pires
  • 17 de jan. de 2019
  • 4 min de leitura

Já aqui tinha falado nisto, mas há uma coisa muito gira nisto de ter a mania que sou engraçado, mesmo que me faltem as ideias: sempre que eu acho que um assunto está ultrapassado e que já não há grande coisa por onde pegar, o Mundo mostra-me que a única coisa realmente ultrapassada na vida são os triciclos da Piaggio. Daí ter ido desenterrar este rascunho de Outubro, de um texto sobre a limpeza da linguagem, o politicamente correcto e aquilo que pode ofender quem gosta de dizer que foi ofendido. O que é basicamente tudo.

Mas primeiro, publicidade. Gratuita no sentido de ninguém me pagar por ela e no sentido de toda a situação ser, no mínimo, desnecessária. No dia 13, sem intenção nenhuma de começar um falatório desbaratado, os senhores da Gillette lançaram um vídeo em que tentaram vender lâminas de barbear à conta de uma campanha contra a masculinidade tóxica. No vídeo são demonstradas várias situações vistas como normais, por parte de quem acha que ser Homem é o mesmo que ser uma valente besta. A acendalha da polémica é a pergunta "É isto o melhor que um Homem pode ser?", mas feita em estrangeiro. E a resposta, dada em Português, é não. Ser uma besta não é o melhor que um Homem pode ser, mas para muita gente do sexo masculino, é o melhor a que conseguem chegar. Mas até aqui não há nada de mal. Uma empresa que cresceu sem grandes princípios mostrou um lado moralista e agora está a levar por tabela por causa disso. Consigo sinceramente apoiar isto e, se tivesse paciência para andar em caixas de comentários, fazia o mesmo.

O que está mal nesta história é que há gente (homens e mulheres) que ficaram ofendidos por alguém ter apontado o dedo (mesmo sem grande moral para isso) a uma situação que é triste. Mais do que isso, disseram que achavam ofensiva a generalização feita no anúncio. Pelos vistos, uma marca que quer vender tem que criar um anúncio com uma comunicação fraca e que individualiza todos os cenários possíveis. Tem que transformar uma mensagem que deve ser directa e de rápida compreensão numa longa metragem, o que, para além de aumentar estupidamente os custos de produção, diminui estupidamente a margem de lucro. O que esta malta ainda não percebeu é que, se alguém criticar um comportamento e eu me sentir visado, o problema não é a crítica. É o meu comportamento. Dizer que um anúncio ofende porque generaliza é como dizer que a frase "o gordo vai à baliza" ofende porque assume que os gordos não conseguem correr. E isto é falso, obviamente. O gordo vai à baliza porque a tapa toda.

Tenho que assumir, no entanto, a minha parte da culpa por toda a situação. Se não houvesse tanta gente como eu, com preguiça de fazer a barba, a Gillette vendia com certeza muito mais e todo este rebuliço era evitado. Aguardo agora serenamente uma bombástica campanha de uma empresa de despertadores.

Depois da publicidade, alguma cultura. Acredito que o meu professor de Português do 12º ano não tenha mudado muito até hoje. Por isso, tenho a certeza que se lhe dissessem que ia dar aulas com um livro censurado, ele havia de dizer coisas bem piores do que:

"Ó automóveis apinhados de pândegos e de putas,

...

E cujas filhas aos oito anos — e eu acho isto belo e amo-o! —

Masturbam homens de aspecto decente nos vãos de escada."

Nem que seja porque as frases estão retiradas do contexto e ele gosta das citações bem feitas.

Mas sim, os senhores da Porto Editora acharam que os alunos do ensino secundário não estão prontos para lidar com estas palavras. O que está errado, porque estes Gremlins semi-formados usam estes termos para se cumprimentarem entre si e não raras vezes para se referirem à própria família também. Na minha geração não, que somos todos gente séria. No meu tempo é que havia respeito, não era a selvajaria que há hoje.

Mas adiante. Diz a Porto Editora que não se trata de censura nenhuma, é apenas uma forma de deixar para o docente a decisão e a forma de abordar estes versos na aula. E é também uma forma de ter as mãos limpas quando alguém se ofender com um poema escrito em 1914, o que vai acontecer mais cedo ou mais tarde. Sei eu, sabem vocês e sabem os senhores da Porto Editora também. Eu lembro-me bem da aula em abordei este trecho. E lembro-me bem da cara do professor quando viu que era eu que ia ler estes versos, numa daquelas coincidências que levariam Fernando Pessa a dizer o seu emblemático "e esta, hein?". Mais do que isto, lembro-me da forma como o professor resolveu abordar a situação: dizendo rapidamente "pronto, já chega. Vamos passar à frente."

E lembro-me acima de tudo dos nomes que ele me chamou com os olhos, quando me fiz engraçadinho (hábito que entretanto perdi) e disse: "a minha parte ainda não acabou."

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