Dedicado À Minha Avó
- Filipe Pires
- 29 de dez. de 2018
- 3 min de leitura

Este texto é ligeiramente diferente daqueles que se escrevem nestas ocasiões. Serve para prestar uma homenagem, mas da melhor (e única) forma que sei: sem tristezas e lembrando aquilo que faz rir, que faz bem.
A minha Avó faleceu no dia 27 de Dezembro de 2018. Isto faz com que a minha Família seja oficialmente parte dos outros, porque perder familiares no natal é uma coisa que só acontece aos outros. E eu, que nunca gostei de dar condolências, posso agora garantir que o outro lado também não é melhor. Já agora, e para quem acha que está pronto e mentalizado para estas coisas, não estão. Esqueçam lá isso, não estão.
A imagem mais recente que tenho da minha Avó não é a última que vou guardar dela. Vou lembrar-me sempre da Dona Antónia Jacinta como uma Mulher forte e com certezas firmes. Juntamente com isso, foi uma Mulher que nunca se deixou apanhar pela idade, o que a levou a fazer convictamente 65 anos durante 10 anos seguidos. Não era falta de memória, era mesmo a vontade dela em permanecer jovem. Apesar disto, era uma pessoa rápida a admitir que estava errada e que não tinha razão. Na verdade, ela era tão rápida a admitir que não tinha razão que o fazia sem que alguém alguma vez tenha dado por isso, mudando o assunto ainda mais depressa do que admitia o erro. Lembro-me também da minha Avó como uma Mulher trabalhadora. Quando eu nasci já ela tinha 64 anos, uma idade mais do que apropriada para a reforma, mas lembro-me de a ver trabalhar todos os dias durante cerca de mais 10 - até aos 66, portanto. Decididamente, o juízo não é uma característica da minha Família.
Vou lembrar-me também das duas últimas lições que ela me deu. A primeira foi no dia em que fiz 28 anos. Fui visitá-la ao lar onde ela esteve nos últimos tempos, quando já não tinha grande certeza de que dia era ou de com quem é que estava a falar. Nesse dia, provavelmente a pensar que estava a falar com o meu Pai ou com um dos irmãos, a minha Avó ensinou-me o que é humor negro. Do bom, não é esta cena para meninos que eu faço. Porque com todas estas circunstâncias, a Dona Antónia ao ver me chegar olhou para mim e disse: "Porra! 'Tava a ver que não te via hoje!". Se isto não é uma forma de mostrar até que ponto a Vida concorda comigo em relação aos limites do humor, então é uma piada sádica escrita por uma qualquer divindade cruel. Façam a vossa escolha, eu já fiz a minha.
A segunda lição foi-me dada no próprio dia 27 de Dezembro. Antes de irmos vê-la ao Hospital, tive uma conversa com os meus pais sobre como tenho uma visão peculiar, por assim dizer, da realidade. Perante este argumento, perguntei o que é então a realidade e a resposta ficou pendurada. Até às 16:30 desse mesmo dia, hora a que a minha Avó me deu, com todas as letras - apesar de não saber ler nem escrever - a explicação que eu tinha pedido.
Finalmente, vou lembrá-la pela sua expressão preferida. Ouvi esta frase incontáveis vezes, em todos os contextos. A minha Avó utilizava estas palavras sempre que a ocasião o exigia e também sempre que tinha de admitir que estava errada. São as palavras com que quero acabar este texto, dedicando-as especialmente a quem achar que é de mau gosto, excessivo ou até ofensivo escrever uma coisa destas. A todos os que acharem isso, fiquem por favor com as palavras preferidas da Dona Antónia Maria Jacinta, a minha Avó:
"Ah, merda-merda! Deixa-me a cabeça!"
Adeus Avó Caínha. Gostei muito de conhecê-la.
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