A Alegria da Pobreza - Que Estrabucho É Este?
- Filipe Pires
- 25 de set. de 2018
- 2 min de leitura

Nota prévia: experimentem ler este texto enquanto ouvem este clássico. Porquê? Porque o título é retirado desta canção e porque a Sôdona Amália é de facto A Maior:
E de repente, é fixe ser pobre. Não pobre a sério, como é lógico. Ninguém quer comer pão e água todos os dias, com o pão como parte opcional da ementa. Muito menos queremos queremos ter de fazer com que metade do rendimento mínimo chegue para alimentar uma família durante um mês. Não, nada disso. Todos queremos ser pobres, mas pobres no sentido em que vivemos acima das nossas possibilidades e dizemos a quem quer ouvir e a quem não quer (e estes são os mais comuns) que não temos dinheiro por causa disso. Dirão vocês, com toda a razão, que cada um sabe de si e que cada um faz o que quer do dinheiro que ganha. E respondo eu, também com alguma, que quem gasta mais do que ganha e se queixa disso para se gabar não é pobre. É parvo. E hipócrita.
Ofereçam a um novo-pobre uma tigela de sopas de leite (provavelmente o melhor pequeno-almoço de sempre) e o mais provável é ela voltar para trás, porque o leite não é de soja e o pão não tem sementes de 20 cereais de nome impronunciável. Para além disso aquele pão tem glúten, que é péssimo para a saúde e que é uma espécie de patriarcado dos alimentos: tem a culpa de tudo o que está de mal no Mundo, mas a verdade é que quem se queixa dele, queixa-se de barriga cheia. O mais engraçado é que este género de intolerâncias afecta principalmente os pobres que podem escolher mais coisas alem de um pão com duas semanas ou uma pedra de calçada para comer. Nunca vi uma reportagem sobre pobres no Darfur que só comem se as Nações Unidas levarem arroz integral. Se calhar estas reportagens acontecem e são abafadas pela comunicação social, ou se calhar esta malta já se deixava de mariquices.
O novo-pobre também gosta de mostrar que é mais pobre que os outros novos-pobres, comentando a boa vida que eles levam. Fazem-no cara a cara, enquanto esperam pelas refeições da Santa Casa? Não pá, claro que não. Pobre que é pobre comenta a vida dos ricos em telemóveis e computadores pagos em prestações e que foram comprados porque estavam fartos dos antigos. Não precisavam de novos, os antigos é que já não satisfaziam as suas necessidades de pobre. Porque a alegria da pobreza está na grande riqueza de dever e ficar contente.
Talvez esta não seja uma moda tão repentina como isso, talvez eu tenha passado os últimos 28 anos da minha vida a dormir. Talvez toda a gente seja assim desde sempre eu só reparei agora. É possível, não digo que não. Mas já parávamos com isto.
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