Anatomia De Um Casamento - Que Estrabucho É Este?

Um aviso prévio: este texto pode ferir susceptibilidades, porque é baseado em todos os casamentos a que eu fui na vida. Não foram muitos porque a maioria dos meus amigos tem juízo, mas foram alguns ainda assim e por isso é provável que eu escreva alguma coisa que seja considerada ofensiva. Mas sabem o que é que também pode ser considerado ofensivo? É eu dizer que em África os homens têm a fama de ter o pénis até ao meio das pernas, mas que isso é fácil de dizer num continente com tantas minas. E sabem o que é que as duas coisas têm em comum? São piadas.

Ora então, à cabeça de toda a operação estão os iludidos noivos, que passam horas e horas a ver flores, formas de bolos, esquemas de decoração, sítios para o copo d'água e igrejas que fiquem de preferência à direita depois de passar a Onde O Judas Perdeu As Botas, e a ensaiar um momento mágico que, sendo muito sincero, nunca vi acontecer. Porque as únicas pessoas que querem de facto ver esse momento são os próprios intervenientes, as velhas que lá foram para verem que a noiva levava um vestido que mais parecia que tinha vindo da rotunda (e para cortarem nesse mesmo vestido até a noiva parecer de facto uma profissional de vida fácil) e os pais, mães, irmãs, irmãos, avós, tios e tias que foram lá para verem os dois encalhados a seguir viagem e, nas famílias mais animadas, para ganharem apostas feitas entre eles sobre os dois pombinhos. Ah, e iludidos porquê? Porque à medida que os convidados vão chegando, os noivos vão se apercebendo o quanto o Ser Humano tem uma tendência para não seguir guiões e para se comportar como um perfeito animal quando lhe falam de comida e bebida à borla. Been there, done that.

O tronco onde assenta esta cabeça de vento é constituído pelos papás e mamãs (um de cada, dois de cada, tudo ao molho ou como apetecer a cada um, que já não é tempo de mariquices) das duas estrelas do dia e que são verdadeiros Big Bangs de sorrisos, abraços e boa disposição. São muitas vezes amigos da circunstância do próprio dia e fazem entre eles um esforço enorme para conviver e marcar almoços que só vão acontecer se alguém ali não perceber como funciona a educação Humana. Acima de tudo, esforçam-se para não se lembrarem de quanto é que tudo aquilo custou e muito menos de que, nessa noite, os noivos vão fazer exactamente o mesmo que fazem desde que se conheceram (mas só a partir do terceiro encontro, porque a minha filha é uma moça séria), só que desta vez num quarto absurdamente caro.

Os braços fortes da festa são os padrinhos e as damas de horror. Eu sei que este trocadilho é mais fácil do que muitas destas damas a seguir ao segundo copo, mas há alturas que devemos ceder à tentação da piada seca e deixar a vida seguir o seu curso. Dizia eu então que os amigos e amigas do casal são muitas vezes os braços que se estendem por toda a festa e as mãos que alcançam tudo aquilo a que os noivos não conseguem chegar, quase sempre com a esperança de terminar a noite num aplauso com alguém do outro grupo. Depois do tal segundo copo, toda a utilidade se esgota e começa a intrincada dança do quebra-gelo "então e tu és do lado de quem?", que leva inevitavelmente a uma conversa de chacha que acaba com as duas pessoas a pensarem que saíram de casa a dar tudo e só lhe saem cromos, ou a uma conversa bem encaminhada interrompida por um bêbado (já lá vamos) ou ainda, no caso dos mais expeditos/aflitos, a um súbito desaparecimento das duas pessoas, que vai dar origem a muitas fotos de bebés daí a 9 meses e a uma utilização exagerada e escusada da graça "We found love in a hopeless place! LoL!"

As pernas e os pés que fazem andar toda esta engrenagem são os convidados anónimos. Os amigos de um lado e de outro, mas que não são amigos o suficiente para entrar na primeira equipa. Neste dia feliz e de alegria, são estes os amigos que fazem as piadas brutais sobre o noivo, que era um maricas quando estava sóbrio mas que uma vez traçou duas gordas numa noite em que estava com os copos, ou sobre a maluca da noiva, cujos peitos eram a moeda universal para tudo, desde bebida até pedidos de músicas. Nesta massa de gente, encontram-se também os amigos de um lado e outro que vão passar todo o dia (mas todo o dia mesmo) a comer e a beber à borla enquanto criticam todas as escolhas (mas todas as escolhas mesmo) feitas pelos noivos, que cumprimentam e de quem se despedem com lágrimas e abraços e desejos de felicidades e que depois criticam por terem escolhido perfumes que fazem arder os olhos.

É também entre estes amigos que estão os bêbados que estragam os engates (que espectacular encadeamento de texto), quer porque acham que têm mais hipóteses do que alguém que ainda consegue ver o chão, quer porque a meia garrafa de gin que beberam assim que chegaram ao local da festa lhes disse que era imperativo ir dar um abraço a um amigo, aquele que está há meia hora a conversar com uma rapariga longe de toda a gente, e que era imperativo também dizer à rapariga: "este *hic* gajo é *hic* ganda gajo!", entre dezenas de tentativas frustradas de piscar o olho coordenadas com trejeitos faciais, que levam os dois interrompidos a pensar se aquele indivíduo não sofrerá de um tipo especial de miopia epiléptica.

No fim de tudo está a malta que gosta de bater nos pratos e nos copos para os noivos se beijarem. Mas este não é o sítio para fazer piadas sobre deficientes.