(Des)Abafo!
- portaldoalgarve
- 19 de mai. de 2018
- 3 min de leitura
DESABAFO.

Hoje liguei a televisão às 10:00 da manhã. Estava a dar o casamento real. Desliguei.
Voltei a ligar perto do meio dia. Estava a dar o casamento real. Desliguei.
Liguei às 13:00. As notícias são sempre um bom escape da futilidade que domina a generalidade das grelhas dos generalistas. Mas ainda estava a dar o casamento real. Depois deu a pancadaria do Sporting, tal como deu ontem, antes de ontem e no dia anterior. Desliguei.
Às 15, tornei a ligar a televisão. Podia haver alguma evolução. Mas não. Estava a dar o casamento real. Desliguei.
Voltei a ligar perto das 20:00. O casamento real estava a abrir os noticiários. Depois variou um bocadinho. Passou para o Sporting e a pancadaria que tem preenchido as grelhas noticiosas da ultima semana. Não desliguei. Talvez o problema estivesse em mim.
Percorri vários canais e em todos eles estava a dar o casamento real e a pancadaria do sporting. Foda-se!.
Infelizmente, ilustres amigos, vivemos num país onde a cultura futebolística e o interesse no "mundo cor-de-rosa" da realeza britânica e de tantos outros, estão enraizados ao ponto de fazer parar a nação em frente a uma tela para assistir a tramas mais ou menos aparatosas como aquela com que se escreve a actualidade em Alvalade ou o nó do filho segundo que Diana deixou.
O que me faz muita, mas mesmo muita confusão, é a facilidade com que são ignorados pela comunicação social tantos outros assuntos, cuja necessidade de serem mostrados se situa uns quantos quilómetros acima do que se passou no SCP, mas ao que parece, não rende serem mostrados. Não rende, porque as pessoas não assistem. Não gostam, não lhes diz nada, não querem saber. É como quem diz: "está-se tudo nas tintas". Existem estradas numa miséria em que os veículos circulam sobre buracos, tendo que se desviar do alcatrão de modo a tentar manter uma rota linear, mas está-se tudo nas tintas. Há furos petrolíferos aí a rebentar sem qualquer avaliação ambiental nem qualquer preocupação com os danos possíveis que isso acarretará, mas está-se tudo nas tintas. Um mercado imobiliário muito acima dos rendimentos do grosso das percentagens salariais do país, prestes a entrar numa rotura estrema com consequências que, no fundo, todos imaginam, mas por motivos que me transcendem, ninguém ousa pronunciar. Pois podera, está-se tudo nas tintas. Existem famílias endividadas até ao tutano que não se conseguem endireitar, pois um valente período de crise acabou de cessar e as dividas de muitos ainda se arrastam. Arrastam e terão que ser pagas, pois um comum individuo nada tem a ver com um clube de futebol a quem as dividas são perdoadas. Um comum cidadão paga as suas dividas para que dividas de clubes de futebol possam ser perdoadas. Mas está-se tudo nas tintas. E "ai" daqueles que ousam pronunciar-se, são rotulados como revoltados, azedos e de mal com a vida. Talvez o mal seja mesmo esse: o medo de não se ser escutado ou compreendido, ou de se parecer azedo, revoltado e de mal com a vida. E por entre as linhas deste possível medo das pessoas em apontar o dedo ao que está mal, ou pura e simplesmente da falta de interesse das pessoas pelo que realmente interessa mostrar e pelo que realmente tem que mudar, o país afunda em desgraças, esquecidas ou diminuídas pelos que detêm o poder de as expor e pressionar quem de direito à tomada de decisões. É normal. As pessoas não assistem, por isso não rende. O casamento real e a pancadaria de Alvalade estão muito acima dos interesses nacionais.
Se assim é, as minhas sinceras felicidades aos noivos da realeza britânica e boa sorte ao Bruno de Carvalho na resolução das suas quezílias futebolescas.
Segunda torno a levantar-me às 6:50. Percorro uma estrada com tanto cuidado quanto possível, não vá apanhar um pedaço de alcatrão por entre meio de tanto buraco, a pensar no petróleo que, facilitando, ainda acaba com a industria turistica e hoteleira e o meu trabalho passa a ser no furo. À tarde sigo procurando uma renda que corresponda às barracas que andam por aí a alugar. Mas sabem que mais? Estou-me nas tintas. Chegando a casa, ligo a televisão e sempre tenho a possibilidade de assistir ao casamento dos outros dois e ao próximo capítulo da novela de Alvalade. Afinal de contas o país não tem mais nada para ser mostrado.
Bom sábado, minha gente. Eu vou com as aves.
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