Pimenta No Rabo Dos Outros - Que Estrabucho É Este?
- Filipe Pires
- 5 de mar. de 2018
- 2 min de leitura

Adaptando do Livro do Apocalipse:
"E eu, João, sou aquele que vi e ouvi estas coisas. E, havendo-as ouvido e visto, corri a contar a desgraça que se aproximava por sobre o Mundo". E alguém respondeu: "Mas João, o Apocalipse que anunciaste foi apenas um aguaceiro!" E João respondeu: "Dai graças ao Senhor por me ter enganado!"
Depois deste início biblicamente blasfémico, quem nunca conheceu alguém que capaz de ultrapassar Usain Bolt para se mostrar informado das últimas desgraças que atire a primeira pedra. E se essa pedra acertar em alguém, dêem tempo a este corpo informativo para espalhar a notícia, porque as pessoas têm mais que fazer do que isso. Não parece, mas têm. Acho eu.
É fascinante para mim o fascínio que existe na desgraça. Há um gostinho especial em anunciar uma morte ao primeiro espirro, porque já é uma pessoa de idade, porque tem muitos problemas disso na família ou porque nunca quis saber de médicos. Velhotes de corpo e, principalmente, velhotes de mente (e dementes) batem qualquer funcionário dos CTT na velocidade com que batem a todas as portas a anunciar a boa-nova. Há neste Mundo jornalistas que fazem menos trabalho de investigação antes de falarem para milhões de pessoas do que estes idosos fazem antes de falar com o vizinho do lado. Sempre que algum facto falhar, nunca esqueçamos a importância da criatividade na notícia. E mesmo que essa criatividade se mostre errada, existe sempre o Supremo Bode Expiatório, a quem se agradece a ajuda a transformar uma mentira num simples engano.
Fascina-me mais ainda esta atracção quando se trata da morte eminente de um familiar que tossiu duas vezes seguidas, porque aqui sim se consegue ver até que ponto está lesionado o ego do jornalista e até que ponto ele precisa de massagens e fisioterapia constantes. Há poucas coisas mais reconfortantes no Mundo do que sentir que se divide a atenção com um pré-defunto, na altura em que ele começa a pouco-e-pouco a tornar-se numa jóia de pessoa e a ser alguém que dá pena ver partir assim. E se a morte anunciada se mostrar aquilo que realmente é - uma aldrabice - rapidamente se transforma numa espécie de morte a la Mulher de César: não basta ser uma morte, é preciso parecê-lo.
Depois de adaptar da Bíblia, cito agora as palavras de Platão: "os sábios falam quando têm algo a dizer. Os tolos falam quando têm de dizer algo". E eu, consciente do poder da ironia enquanto mecanismo de humor, hoje fico por aqui.
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