Quando Eu Era Pequenino - Que Estrabucho É Este?
- Filipe Pires
- 27 de nov. de 2017
- 3 min de leitura

Sim, aquele jovem descendente de emigrantes asiáticos sou eu. Não, hoje não me ocorreu nada melhor do que falar sobre a minha infância.
Porque a minha infância tem sido os melhores 27 anos da minha vida, a começar pelo que é evidente na fotografia e que é um dos pilares da minha educação: sou um bocadinho Benfiquista, na mesma medida em que José Sócrates e Miguel Relvas aldrabaram um bocadinho nas Licenciaturas. E digo que este sacramento é um dos pilares da minha educação porque deve ter sido o primeiro que recebi. Desde que me lembro de ser gente (e provavelmente desde a altura em que a fotografia foi tirada - o dia em que fiz 4 anos) que vejo jogos com o meu pai, tradição que começou nesse local de racionais e elevadas discussões sobre o Jogo Belo: o café. Por me deslocar desde tenra idade a essas catedrais de ensinamentos etílico-tácticos, habituei-me cedo a conhecer os jogadores pelos nomes e ainda hoje guardo com especial carinho as memórias de cinco senhores que representaram O Glorioso: Preud'homme, C***lho, F***-se, P*** Que Os Pariu e João Pinto. Era uma altura em que os jogadores tinham outra longevidade, porque três deles ainda hoje estão activos e continuam a entrar na maioria das jogadas.
Nem tudo foram rosas, como é lógico. Passei a dada altura por aquilo a que hoje em dia se chama de bullying, mas que naquele tempo se chamava "marrar com o gordo dos óculos". Este é hoje em dia um assunto sensível (como, basicamente, todos os outros) porque há uns anos um puto gordo com óculos e com a mania que é engraçado levava. Era a lógica das coisas e ninguém levantava muitas ondas. Mas mais recentemente, o puto gordo com óculos passou a ser visto como uma vítima, principalmente por quem faz questão de piorar o que já de si é mau: os pais. Portanto, em vez de se ensinar uma criança a ultrapassar o papel da vítima e seguir com a sua vida, considerou-se mais saudável rotulá-la como uma. Bem jogado, sociedade! Como se não bastasse, hoje em dia até quem está do outro lado é uma vítima. E eu acredito que um miúdo que agride outro por gozo seja uma vítima, principalmente de consanguinidade.
Analisando agora a minha situação, acho que o meu problema foi mau timing. Porque os meus pais tinham em casa uma criança com pouco mais de um metro de altura e que parecia o boneco da Michelin com um par de óculos e, ao olhar para este fenómeno da Natureza, acharam que o que fazia mesmo falta naquele quadro era um aparelho. Se quiserem saber de onde é que vem o meu sentido de humor negro, tudo indica que é hereditário.
O meu outro problema nesta altura foi a hiperactividade que nunca foi diagnosticada. Porque a minha infância aconteceu na (última?) altura em que não éramos todos uma cambada de maricas e em que nem tudo tinha que ser uma doença, por isso eu era só um puto reguila. E não é homossexuais, é maricas. São coisas diferentes, deixem-se de mariquices. Como havia pouco acesso à informação, os meus pais tiveram que fazer o melhor que podiam com aquilo que tinham. Só estragaram, como é lógico. Em vez de me afogarem em medicação pesada e de me levarem todos os dias a um psiquiatra, eles chamavam-me à atenção se fazia asneira e, se fosse uma a sério ou se já tivesse visto um amarelo, havia sempre uma galheta à minha espera. Este género de educação deixa marcas que duram e as minhas sentem-se até hoje. Já (mais ou menos) adulto, procurei ajuda profissional e confirmaram-me o que eu já suspeitava: aquela meia dúzia de estalos em criança deixou-me um caso sério de maneiras e boa educação. Em desespero, perguntei o que é posso fazer para deixar de ser assim e o médico sugeriu-me que tivesse filhos. Porque quem tem filhos hoje em dia esquece tudo o que aprendeu quando era pequeno.
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